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© Emilie Coudel

Origem e significado do conceito de “acompanhamento”

“Fazer companhia” e “ir em companhia de” são as primeiras opções apresentadas pelo Novo Dicionário Aurélio para definir o verbo “acompanhar”. Por sua vez, o Dicionário Houaiss fala em “estar com ou junto”. Essas definições ajudam a iluminar o conceito de pesquisa-acompanhamento (ou simplesmente acompanhamento), que vem se consolidando nas ciências sociais como o processo no qual o pesquisador “vai em companhia” dos atores sociais, não para transformar a maneira como eles pensam e agem, mas para “estar junto” a eles em seus projetos, em uma perspectiva de autonomização do sujeito (Beauvais & Haudiquet, 2012).

Essa proposta é herdeira de um novo paradigma, esboçado no final da década de 1970 e fortalecido no início dos anos 2000, no qual os atores sociais são reconhecidos como legítimos protagonistas do trabalho de pesquisa (Cash et al., 2003). É nesse contexto que surge, na década de 2010, o conceito de acompanhamento, que passa a ser aplicado em vários âmbitos, como nas ciências de gestão (Bréchet et al., 2014), na área socioeducativa (Beauvais & Haudiquet, 2012), na geografia social (D’Aquino, 2002; Piraux, 2021) e na modelagem socioambiental (Barreteau et al., 2003). 

 

© Vincent Bonnal

Embora tenha laços com outros conceitos, como os de pesquisa-ação e pesquisa intervenção, o acompanhamento ocupa um espaço próprio, diferenciando-se por não pressupor uma intervenção do pesquisador — ao menos não no sentido de uma ação pré-definida. Sendo assim, o acompanhamento procura ir além de uma mera visão de assistência, extensão ou transferência de conhecimento. O princípio é que a ação ou intervenção sejam desencadeadas pelos próprios atores sociais, a partir da interação com os pesquisadores, através de processos de comunicação (Freire, 1968), de co-concepção e de co-construção permanentes (Beauvais & Haudiquet, 2012). Em suma, é uma parceria de pesquisa, na qual atores sociais e pesquisadores trabalham juntos.

Trata-se de uma ciência pós-normal, isto é, uma abordagem para lidar com questões onde há incertezas, valores em disputa, riscos elevados e necessidade de decisões urgentes (Funtowicz & Ravetz, 1993). Ela se apoia em teorias da complexidade (Morin, 2001), do construtivismo (Le Moigne, 1995) e da educação como prática de emancipação e de conscientização (Freire, 1996). Assim, no acompanhamento, lida-se com problemas complexos, que não podem ser solucionados apenas com os conhecimentos dos especialistas, havendo necessidade de aliar esses conhecimentos a saberes, competências e experiências de outros atores, que têm percepções de mundo distintas.

 

© Vincent Bonnal

© Krishna Naudin

O acompanhamento não pressupõe uma metodologia pré-definida. O único requisito é que o pesquisador-acompanhador (ou a equipe multidisciplinar de pesquisadores-acompanhadores) tenha predisposição para apoiar as dinâmicas dos atores sociais. O acompanhador deve ter empatia e ser capaz de lidar com as próprias emoções e com as dos outros, o que Goleman chamou de inteligência emocional (Goleman, 2018). Com essa postura, garante-se a pluralidade de pontos de vista e a construção de um contexto favorável à aprendizagem, à confiança, à experimentação e à co-construção, permitindo que os atores se tornem mais autônomos e tomem decisões esclarecidas para alcançar seus objetivos.

Acompanhamento é um processo que tem por objetivo facilitar aprendizagens, reforçando a capacidade dos atores de produzir mudanças” (Piraux, 2021).

Em lugar de guiar as decisões, portanto, o acompanhador cria condições para que os demais participantes se emancipem e definam eles mesmos as ações que façam mais sentido (d’Aquino, 2002). Além de instaurar esse diálogo de qualidade, cabe também aos pesquisadores-acompanhadores avaliar o processo de forma permanente, para promover ajustes e adaptações.

Transpondo esses conceitos para o âmbito dos territórios rurais, surge a possibilidade de monitorar o espaço e reforçar a capacidade de inovação (Piraux, 2021). Os territórios em questão enfrentam problemas multidimensionais, como desmatamento, perda de biodiversidade, poluição e seca. São tópicos em que há uma multiplicidade de agentes envolvidos. Esse é um cenário onde o acompanhamento pode ser muito útil. Ao se colocar junto aos atores locais, o pesquisador-acompanhador estabelece uma espécie de laboratório vivo para a experimentação de novos arranjos de governança. Ele estimula que os atores sociais, de forma autônoma e qualificada, se apropriem do território em suas dimensões políticas, institucionais e identitárias (D’Aquino, 2002). 

 

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Outra característica do acompanhamento é que ele traz para o diálogo atores que normalmente estão marginalizados e não têm voz nos processos de decisão, capacitando-os a apropriar-se das regras de governança, entrar no debate e participar das decisões, o que representa uma mudança nas relações de poder (Piraux, 2021). 

Eles alcançam esse empoderamento a partir do diálogo, da interação e da concertação com os demais atores (D’Aquino, 2002). É da essência do processo de acompanhamento apoiar essa concertação da forma mais explícita e profunda possível (D’Aquino, 2002), buscando pontos de interseção entre interesses (Ruault, 1996). No entanto, esse é um processo que não ocorre por decreto, mas sim por meio de um aprendizado gradual. Aos poucos, o ator social precisa sentir que o conhecimento que ele traz consigo tem legitimidade, tanto aos seus olhos como aos olhos dos demais agentes.

Diferentes ferramentas são utilizadas no acompanhamento para esclarecer pontos de vista e servir de base para a concertação. Entre esses suportes encontram-se mapas, esquemas, vídeos e modelagens. O papel deles não é oferecer uma decisão pronta, mas servir de subsídio para o processo contínuo de negociação, estimular o debate e permitir que as decisões mais adequadas emerjam. Nos últimos 20 anos, também surgiu uma corrente de pesquisa chamada de Companion Modeling ou Modelagem de Acompanhamento (ComMod), em que um determinado ecossistema social é representado por meio de jogos ou simulações com múltiplos agentes. Ao manipularem esses modelos, os atores dialogam, constroem uma compreensão mútua e refletem sobre as consequências de suas ações, avaliando melhor fenômenos complexos (Le Page, 2017). 

O acompanhamento encoraja exercícios prospectivos, para ajudar os atores a forjar uma visão do futuro, esclarecer seus objetivos e, a partir daí, dar um sentido à ação coletiva. Isso permite que eles entendam as transformações em curso e encontrem alavancas para alcançar o cenário desejado (D’Aquino, 2002).

O QUE O ACOMPANHAMENTO TERRITORIAL PODE FAZER PELA AMAZÔNIA

Maior bioma brasileiro, a Amazônia oferece grandes desafios, como o desmatamento e a degradação do meio ambiente, as demandas das cadeias produtivas, o combate à pobreza, a necessidade de gerar renda com produtos de qualidade, a consolidação das instituições locais e do planejamento estratégico, o respeito às populações tradicionais, a preservação e a valorização da biodiversidade, a urbanização desordenada, a carência de infraestruturas, os riscos causados pela exploração mineral e as inúmeras atividades informais e ilegais existentes.

O nível territorial é especialmente estratégico para lidar com esses desafios, uma vez que permite envolver os atores na busca por soluções mais adequadas para eles. A gestão territorial é, desse ponto de vista, complementar às gestões de maior escala, estaduais e federais.

Para tanto, o acesso a informações de qualidade é fundamental. Porém, no nível territorial, a Amazônia carece de articulação entre as fontes de informação. Além disso, as etapas de produção de conhecimento a partir das informações disponíveis ainda são deficientes, e os dados raramente são combinados com saberes locais e expertise de campo, o que leva a diagnósticos equivocados e propostas inadequadas.

Neste contexto, as instituições científicas têm um papel importante a desempenhar junto aos atores dos territórios amazônicos, acompanhando-os na produção de informações úteis e utilizáveis. A partir dessa percepção, a abordagem de Acompanhamento Territorial foi se consolidando desde os anos 2010 no âmbito de várias parcerias entre instituições científicas brasileiras e francesas. Elas vinham trabalhando juntas na Amazônia desde os anos 1980 e orientaram progressivamente seu foco para a gestão dos territórios e o envolvimento dos atores nas pesquisas desenvolvidas. Hoje, essa abordagem é desenvolvida por uma rede de equipes de profissionais de diferentes instituições.

© René Poccard-Chapuis

Referências

– Barreteau, O., M. Antona, P. D’Aquino, S. Aubert, S. Boissau, F. Bousquet, … J. Weber, 2003, Our Companion Modelling Approach, Journal of Artificial Societies and Social Simulation, vol. 6, n°2.
– Beauvais, M., A. Haudiquet, 2012, La recherche-accompagnement : des postures en retrait pour des visées autonomisantes, Pensée plurielle, vol. n° 30-31, n°2, p. 165.
– Bréchet, J., S. Émin, N. Schieb-Bienfait, 2014, La recherche-accompagnement : une pratique légitime, Finance Contrôle Stratégie, vol. 17, n°2.
– Cash, D. W., W. C. Clark, F. Alcock, N. M. Dickson, N. Eckley, D. H. Guston, … R. B. Mitchell, 2003, Knowledge systems for sustainable development, Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, vol. 100, n°14, p. 8086-8091.
– D’Aquino, P. Accompagner une maîtrise ascendante des territoires: prémices d’une géographie de l’action territoriale. HDR Université de Provence, 2002.
– Freire, P., 1968, Extensão ou comunicação?, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 93 p.
– Freire, P., 1996, Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa, Coleção Leitura, Paz e Terra, São Paulo, 148 p.
– Funtowicz, S. O., J. R. Ravetz, 1993, Science for the post-normal age, Futures, vol. 25, n°7, p. 739-755.
– Goleman, D. 2018. L’intelligence émotionnelle – Tome 2: Cultiver ses émotions pour s’épanouir dans son travail – Robert Laffont.
– Le Moigne, J.L. 1995, Les épistémologies constructivistes, PUF, Paris.
– Le Page, C. Simulation multi-agent interactive: engager des populations locales dans la modélisation des socio-écosystèmes pour stimuler l’apprentissage social. HDR CIRAD-GREEN, 2017.
– Morin, E. (2001). Os desafios da complexidade. Morin E, organizador. A religação dos saberes. O desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 559-67.
– Piraux, M. Evaluer et accompagner les dispositifs de gouvernance territoriale: vers une gouvernance territoriale collaborative. Une réflexion à partir du cas brésilien. HDR Université Paul Valéry, 2021.
– Ruault C. , 1996. L’invention collective de l’action. Initiatives de groupes d’agriculteurs et développement local. 256 p., L’Harmattan, Paris (FRA).
A COOPERAÇÃO FRANCESA NO BRASIL
A PARCERIA ENTRE FRANÇA E BRASIL FOCA NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA. O CIRAD E O IRD TRABALHAM EM CONJUNTO COM A COMUNIDADE CIENTÍFICA E AGRONÔMICA BRASILEIRA COMO A EMBRAPA, UNIVERSIDADES E ÓRGÃOS DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO.

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