© Emilie Coudel
Restauração florestal por agricultores familiares na Amazônia Oriental – REFLORAMAZ
Ao longo da última década, a restauração florestal ganhou relevância, em âmbito internacional, como alternativa às mudanças climáticas. Nesse cenário, o Brasil assumiu o compromisso, em 2015, de recuperar 12 milhões de hectares de florestas desmatadas, fixando o ano de 2030 como horizonte para atingir essa meta.
O Pará, na Amazônia, é o palco mais importante desse processo, que envolve restaurar florestas originais e adotar sistemas que combinem floresta e agricultura. Com 5 milhões de hectares por reflorestar, o estado responde sozinho por mais de 40% do objetivo traçado pelo país.
Desde o início do milênio, e apesar do recente avanço no desmatamento, surgiram condições favoráveis à restauração florestal na região como a criação de várias políticas públicas que convergem para uma maior conservação ambiental ou o desenvolvimento de forma espontânea e independente de experiências de restauração florestal pelos agricultores da região.
Um dos principais obstáculos para que essas potencialidades sejam aproveitadas reside na falta de articulação entre os conhecimentos dos vários atores envolvidos. Cada um deles — agricultores, técnicos, tomadores de decisão e cientistas — expressam visões distintas sobre como atingir o equilíbrio entre viabilidade socioeconômica e benefícios ecológicos. Diante desse quadro, o acompanhamento territorial representa uma oportunidade para articular saberes, produzir conhecimento compartilhável e construir modelos de desenvolvimento mais sustentável.
TERRITÓRIO
O Cirad, a Embrapa Amazônia Orienta e a UFPA implantaram no nordeste paraense o Refloramaz, um projeto de acompanhamento territorial voltado à promoção do diálogo entre os diferentes atores locais e ao fomento da restauração florestal na Amazônia Oriental.
O território selecionado foi uma área de 300 quilômetros de diâmetro no entorno de Belém, abrangendo em particular cinco municípios (Abaetetuba, Bragança, Capitão Poço, Irituia e Tomé-Açu). Essa região foi escolhida porque, nela, florestas manejadas e agroflorestas são uma tradição secular, principalmente ao longo dos rios. A escolha dos municípios foi feita para que contextos distintos e contrastantes fossem contemplados:
Abaetetuba: Esse município é constituído por ilhas fluviais, compreendendo o ecossistema típico de várzea do estuário amazônico, com enchentes e vazantes diárias. Esse ecossistema é muito favorável para o açaí, espécie nativa, que vem sendo privilegiada pelos agricultores.
Irituia: Essa região de colonização antiga tem uma cultura baseada nas roças de mandioca onde os quintais agroflorestais são costumeiros. Os agricultores criaram uma cooperativa orgânica que atinge mercados distantes como o Rio de Janeiro, o que vem apoiando a expansão das agroflorestas.
Tomé-Açu: Considerado uma referência para a expansão de agroflorestas comerciais, em maior escala. A partir da década de 1960, imigrantes japoneses passaram a investir em agroflorestas, com ampla variedade de produtos.
Bragança: Conhecida por sua produção de farinha de alta qualidade, essa região sofreu grande pressão do desmatamento, mas, diante da valorização do bacuri, que é abundante nas florestas e capoeiras locais, muitos agricultores estão aderindo à regeneração espontânea das florestas.
Capitão Poço: À semelhança de Tomé-Açu, os pequenos agricultores de Capitão Poço têm acesso privilegiado ao mercado, devido a presença de grandes agroindústrias nas proximidades, o que vem privilegiando agroflorestas a base de citrus.
AÇÕES
O Acompanhamento Territorial busca mobilizar conhecimentos e atores variados para estimular visões de desenvolvimentos mais sustentáveis, em sintonia com as características do território.
No projeto Refloramaz, a estratégia foi investigar como os atores locais entendiam e praticavam a restauração florestal, para gerar conhecimentos compartilháveis. A partir das informações levantadas nas reuniões introdutórias, os pesquisadores compreenderam as questões consideradas mais importantes e buscaram se aprofundar nelas, mediante entrevistas, trabalhos de campo e encontros técnicos.
Foram organizados espaços para debate entre os atores. Eventos técnicos, por exemplo, evidenciaram as questões políticas em jogo e sinalizaram caminhos para a interpretação de dados. Em seminários, os agricultores compartilharam suas experiências, dando clareza aos desafios da restauração florestal, às suas motivações e à invisibilidade que o tema enfrenta. Os pesquisadores também passaram períodos nas comunidades rurais, junto com os agricultores, para integração e avaliação conjunta dos sucessos e das dificuldades das práticas.
Além disso, foi desenvolvido um jogo para simular as ligações da restauração florestal com o restante do sistema agrícola e com o contexto institucional. A construção coletiva desse jogo desencadeou discussões transdisciplinares, gerou relações horizontais entre pesquisadores e agricultores, com ganhos em termos de confiança e aprendizagem, e permitiu a construção conjunta de indicadores sociais, ambientais e econômicos para avaliar as experiências de restauração. Na fase de implementação, agricultores e tomadores de decisão apresentaram sua forma de decidir o ponto de equilíbrio entre serviços ambientais e benefícios sociais e econômicos, o que expôs as diferentes visões existentes a respeito da restauração florestal. Em várias oportunidades, os agricultores se orgulhavam de mostrar aos técnicos que eram capazes de equilibrar melhor do que eles as diferentes dimensões, uma vez que os técnicos se concentravam principalmente na dimensão econômica. O jogo de simulação propiciou o surgimento de várias ideias para políticas públicas com potencial para estimular a restauração florestal.
RESULTADOS
O projeto Refloramaz identificou, nos cinco municípios de atuação, um contingente de 400 agricultores com práticas de restauração florestal, o que demonstra que a restauração é um fenômeno emergente, que merece mais atenção por parte dos tomadores de decisão.
O acompanhamento territorial no nordeste do Pará revelou uma série de dados até então desconhecidos. Evidenciou, por exemplo, que 78% dos agricultores entrevistados já realizam a restauração florestal, por meio de agroflorestas, e que 83% dos que mantêm agroflorestas também promovem a regeneração de áreas no entorno. Um dado interessante é que a maior parte dos agricultores que restauram não o fazem como objetivo principal, mas porque percebem que essa é a melhor estratégia econômica. O processo identificou agroflorestas de até 50 hectares, ocupando 100% da propriedade do agricultor.
O acompanhamento demonstrou ainda que há diferentes sistemas agroflorestais em uso e que o impacto de cada um deles é distinto. Há práticas baseadas em princípios ecológicos e outras baseadas em insumos externos. Práticas mais naturais e biodiversas e, outras, simplificadas, que resultam na utilização de métodos artificiais, com uso de insumos externos. No entanto, os processos são dinâmicos, e alguns tipos mais simplificados podem evoluir gradualmente para sistemas complexos do ponto de vista biológico.
Os pesquisadores envolveram jovens de escolas rurais na construção do jogo, estimulando-os a se interessar pelas práticas de seus pais Contribuir para a educação de jovens agricultores e estudantes é estratégico, porque eles trabalharão a favor da restauração florestal e terão uma visão mais adequada sobre como obter apoios e trabalhar com agricultores familiares.
QUESTÕES EM ABERTO
O Refloramaz levantou ações que podem ser desenvolvidas para que a restauração florestal avance. Conscientizar sobre o papel da biodiversidade na restauração dos serviços ambientais e valorizar e apoiar os conhecimentos desenvolvidos pelos próprios agricultores são chave para fortalecer o processo. Os governos devem concentrar esforços para a concessão de linhas de crédito para o investimento inicial, por meio de assistência técnica ou em intervenções para ampliar mercados. Um exemplo são as aquisições de produtos agroflorestais para uso como merenda nas escolas públicas ou para a inclusão em cestas básicas distribuídas a famílias de baixa renda, que vêm encorajando a criação de cooperativas de agricultores familiares.
O Acompanhamento Territorial é um processo em permanente evolução. Nesse sentido, muitas investigações ainda precisam ser feitas, no âmbito do Refloramaz, junto aos atores locais, de maneira a responder questões que seguem em aberto.
A continuidade da rede criada no âmbito do Refloramaz é essencial para que uma nova perspectiva econômica e ambiental possa ser construída permanentemente nesse território amazônico.
PROJETOS REALIZADOS
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- Refloramaz (2017-2019), com financiamento por Agropolis Fondation-Embrapa
- Recuperamaz (2017-2019), com financiamento por CNPQ e Capes
- Sustenta & Inova (2021-2024), com financiamento da União Europeia (chamada Desira)