Várzeas Amazônicas

© Emilie Coudel

Adaptação às mudanças climáticas nas várzeas amazônicas

As várzeas amazônicas são planícies situadas ao longo dos rios, caracterizadas por inundações periódicas. No transcorrer dos séculos, foram espaços privilegiados para a presença humana na Amazônia. As populações tradicionais concentravam-se nessas áreas, onde viviam de pesca, caça e produtos da floresta.

Esse sistema entrou em crise a partir da década de 1960, quando planos nacionais para o desenvolvimento da Amazônia trouxeram outro tipo de migrante, principalmente do sul do país, atraído pela oferta de terra vasta e barata. Essa nova realidade socioeconômica marginalizou formas mais sustentáveis de desenvolvimentos. As comunidades rurais remanescentes passaram a lutar pela sobrevivência em ecossistemas degradados, nos quais os ritmos sazonais tradicionais estão alterados, com a ocorrência cada vez mais frequente de enchentes e secas extremas.

O TERRITÓRIO

Ao redor do Lago Grande do Curuai, junto à confluência dos rios Amazonas e Tapajós, no oeste paraense, há uma extensa planície inundável, que se espraia por três municípios e foi selecionada para o projeto de Acompanhamento Territorial. Essa zona tem uma longa tradição de exploração sustentável da pesca, da caça e de produtos florestais, colocada em risco pelo avanço da pecuária e pelo impacto das mudanças climáticas.

Realizado em parceria com entidades locais, como a Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle), o Sindicato de Agricultores Familiares e Trabalhadores Rurais de Santarém e a Escola Comunitária Casa Familiar Rural (CFR), o projeto foi desenhado com os seguintes objetivos: construir um diálogo com as comunidades ribeirinhas, compreender os fatores de pressão sobre as atividades da comunidades e levantar e avaliar estratégias de adaptação às mudanças climáticas, para melhorar as condições de subsistência da população e proteger o ambiente.

AS AÇÕES

Professores e alunos da Casa Familiar Rural tiveram papel fundamental no processo de co-criação de conhecimento nas comunidades que contou com várias etapas e atividades: promoção de debates e de compartilhamento de saberes, levantamento das principais mudanças (sociais, econômicas e ambientais) ocorridas nas várzeas ao longo dos anos, mapeamento dos diferentes usos do território e das práticas empregadas, organização de um calendário das atividades de pesca e de pecuária na região, levantamento dos principais desafios para um desenvolvimento sustentável e definição de uma visão compartilhada de futuro do território.

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CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO

O Acompanhamento Territorial permitiu identificar quatro setores com dinâmicas socioeconômicas distintas:

Comunidades de várzea: comunidades em que as atividades estão intimamente relacionadas com o ritmo de seca e cheia do rio. Essas várzeas são usadas para plantação ou pecuária e afetadas pelas transformações ambientais, levando a um estado de tensão entre os dois modelos. Os obstáculos para manter o cultivo e a pecuária nas várzeas têm levado os atores a buscar outros espaços mais para o interior, ao redor das vilas e nas terras pretas, o que resulta em desmatamento e gera conflitos de uso com moradores (por pontos de água, por exemplo).

Comunidades das bordas dos lagos: comunidades que se caracterizam pela presença de pescadores e de pequenos criadores de gado. Elas sofreram transformações socioambientais pela abertura da rodovia Translago, que corta área e permite acesso mais fácil às cidades de Santarém e Juruti. A rodovia causou: aumento populacional, perda de vitalidade das localidades menores, alterações no regime de chuvas e secas, diminuição do tamanho dos peixes e de sua disponibilidade. A pesca tornou-se menos produtiva, o cultivo ficou mais difícil e a pecuária exige que o gado seja levado a zonas distantes, onde se encontram pastagens.

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Comunidades de terra firme: essas comunidades estão localizadas em zonas da planície que não sofrem com as inundações. Por isso, a dinâmica tradicional nessa porção do território é agrícola, na forma de pequenas roças. Nas últimas décadas, o território atraiu atividades pecuárias e houve a abertura de pastos de tamanho médio (na faixa dos 100 hectares). Como consequência, a atividade agrícola recuou (a produção de farinha despencou), identificou-se degradação ambiental (a presença de búfalos nos igarapés destruiu habitats de peixes) e desmatamento (a floresta deu lugar a pastos) e menor atividade extrativista (por causa do recuo da floresta).

Colônias: as colônias são áreas de terra firme localizadas no interior, mais afastadas dos rios. Nelas, a cobertura florestal ainda é abundante. Encontram-se aí terras pretas, e a presença de comunidades de origem indígena é expressiva. As roças e o extrativismo são importantes, e começa a haver um florescimento de sistemas agroflorestais. O principal risco é a entrada de madeireiros, registrada ao longo dos últimos 10 anos.

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MODELAGEM E EXPLORAÇÃO DE CENÁRIOS

Uma metodologia demonstrou ser de particular importância para motivar os atores: a modelagem de acompanhamento (ComMod), baseada no co-desenvolvimento de jogos que simulam a realidade local. Por meio desses jogos, os participantes chegam a uma visão compartilhada das dinâmicas sociais e naturais em um determinado território e exploram diferentes cenários de futuro.

Nas várzeas do Lago Grande do Curuai, seis alunos da CFR participaram da elaboração de um jogo de tabuleiro interativo, depois testado pelo grupo completo de estudantes, e finalmente levado às comunidades. Batizado de Várzea Viva, o jogo permitiu explorar a viabilidade de diferentes estratégias de uso dos recursos e avaliar suas consequências.
Partindo de uma visão compartilhada sobre a situação atual (cristalizada durante o processo de co-construção de conhecimento), os jogadores intervêm sobre possíveis soluções, estabelecem objetivos de futuro e montam cenários para alcançá-los.

OS RESULTADOS

As atividades desenvolvidas, ao colocarem os atores diante de situações simuladas, fizeram-nos compreender melhor os efeitos do seu comportamento nas situações reais. Nos debates realizados depois de cada sessão de jogo, os participantes chegaram a conclusões relevantes sobre os desafios enfrentados na várzea:

    • A taxa atual de inundação limita as pastagens naturais e força o aluguel ou a abertura de pastagens em terra firme, com custos excessivos em relação ao ganho esperado.
    • Como o ciclo de cultivo é limitado, devido às inundações cada vez mais prolongadas, o plantio de mandioca requer grandes áreas e mão de obra intensiva. O ganho é arriscado, porque está ligado às variações do preço da farinha.
    • A pesca industrial tem grande impacto na diminuição do estoque pesqueiro.
    • As atividades humanas têm impacto na qualidade da água, principalmente no caso da pecuária em zonas ribeirinhas. Ao mesmo tempo, o abandono de zonas de inundação por causa de cheias mais frequentes leva à concentração de moradias em outras áreas, resultando em condições sanitárias precárias, que também afetam a qualidade da água.
    • Os atores mais jovens, principalmente, identificam a necessidade de diversificar atividades produtivas, mas encontram como obstáculo a perda de relevância dos mercados locais, substituídos por intermediários que, favorecidos pela construção da rodovia, podem acessar outros mercados e, por isso, impor preços baixos.
    • As dificuldades nas várzeas não estão ligadas só às mudanças climáticas, mas decorrem também de transformações socioeconômicas e demográficas.

PROJETOS REALIZADOS

    • ClimFabian (2012-2015), com financiamento da Fondation pour la Recherche pour la Biodiversité
    • Bonds (2019-2022), com financiamento do Belmont Forum-Biodiversa
    • Saberes (2020-2025), com financiamento de BNP Paribas

QUESTÕES EM ABERTO

O projeto de Acompanhamento Territorial na várzea do Lago Grande do Curuai prossegue, com o objetivo de ajudar os atores locais a orientar suas ações. A prioridade agora é a pesca, fonte essencial de proteína e de renda para os habitantes. Essa atividade está sob ameaça devido à degradação dos habitats e à pesca industrial, que afetaram os estoques pesqueiros. Os pesquisadores estão utilizando a metodologia de modelagem participativa para co-construir um plano de manejo dos recursos pesqueiros e do uso da terra.

INSTITUIÇÕES PARCEIRAS
FINANCIADORES

A COOPERAÇÃO FRANCESA NO BRASIL
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