Planalto Santareno

© Vincent Bonnal

Consolidação da agricultura familiar no Planalto Santareno

A agricultura familiar é de fundamental importância para uma grande parcela da população da Amazônia. Ela contribui para a segurança alimentar e nutricional das cidades e gera renda e ocupação para um número significativo de famílias.

Os governos brasileiros, em suas diferentes esferas, adotaram nas últimas três décadas políticas de subsídio e estímulo ao agronegócio, para aumentar as exportações agrícolas e alcançar as metas de superávit primário na balança comercial. Como resultado, entre 1974 e 2018, a área ocupada pela soja no país passou de 5,1 milhões de hectares para 34,8 milhões de hectares. Em 1997, no Pará, havia 575 hectares com soja. Em 2018, a área se multiplicou quase por mil: 557,5 mil hectares. A soja tornou-se o principal produto agrícola da Região Norte. Enquanto isso, a agricultura familiar seguiu sendo atendida por políticas de caráter social, que ignoram seu potencial econômico.

© Vincent Bonnal

Com a soja vieram rodovias, ferrovias, portos e terminais graneleiros. A soja trouxe também desmatamento, concentração de terras, conflitos fundiários e uma forte pressão sobre comunidades rurais que, seguindo uma tradição de séculos, praticavam a pesca e a agricultura familiar.

Entre as regiões que convivem com esse fenômeno está o Planalto Santareno, no oeste do Pará, uma área de terras altas e argilosas de grande potencial agrícola. Nesse território, a multinacional Cargill construiu um grande porto para escoamento de grãos, favorecendo o surgimento de uma área de 80 mil hectares destinados à monocultura.

TERRITÓRIO

O avanço da soja no Planalto Santareno dera origem a um conflito agrário desigual entre o agronegócio e a agricultura familiar, o que levava a um processo de desintegração da agricultura familiar. Nos debates, surgiram três questões prioritárias associadas a esse contexto: (in) segurança da terra, contaminação por agrotóxicos e agroecologia.

Em paralelo a isso, os agricultores familiares desenvolveram formas de resistência e de inovação que garantiram um dinamismo crescente em certas áreas do Planalto Santareno. Houve, por exemplo, um aumento na produção de frutas e hortaliças, relacionado ao papel essencial que a agricultura familiar ainda mantém no fornecimento de alimentos para as populações urbanas próximas. Essas iniciativas, no entanto, eram muito pouco estudadas.

Nesse contexto, os pesquisadores da rede Odisseia definiram os três municípios do Planalto Santareno como território para um projeto de Acompanhamento Territorial que visava coletar dados detalhados sobre a situação da agricultura familiar, capacitar jovens lideranças comunitárias e co-construir visões de futuro que permitam a consolidação da agricultura familiar no planalto.

AÇÕES

A partir da parceria com os sindicatos de Santarém, Mojuí dos Campos e Belterra, os pesquisadores da rede Odisseia promoveram uma série de ações em conjunto com os atores sociais do Planalto Santareno:

2016
— Mapeamento das expectativas dos atores locais

2017
— Oficina para discutir as mudanças que afetam o território
— Mobilização progressiva dos sindicatos
— Formalização de compromisso com os atores sociais

2018
— Construção participativa dos eixos mais relevantes para a pesquisa
— Aprofundamento do modelo conceitual
— Planejamento conjunto do método e do foco da pesquisa

© Emilie Coudel

2019
— Zoneamento participativo do Planalto Santareno
— Capacitação de pesquisadores comunitários
— Aplicação de questionários pelos pesquisadores comunitários
— Exploração conjunta dos primeiros resultados
— Consolidação das análises e reflexão sobre a utilização dos dados

2020
— Divulgação e debate dos resultados com diversas instituições do território

© Rodrigo Viellas

2021
— Consolidação de estratégias de ação para o fortalecimento da agricultura familiar

DESTAQUES

Zoneamento do território e produção de mapa: zonas de predominância do agronegócio, zonas de agricultura familiar intercaladas em áreas de agronegócio, zonas de agricultura familiar com pressão de avanço do agronegócio, zonas de permanência da agricultura familiar, zonas de predominância de pecuária, zonas com dinâmicas da agricultura familiar não relacionadas ao agronegócio.

Aplicação de questionários pelos pesquisadores comunitários: 18 jovens pesquisadores comunitários visitaram 62 comunidades e aplicaram os questionários a 544 famílias de agricultores.

RESULTADOS

O processo de Acompanhamento Territorial no Planalto Santareno gerou resultados como a capacitação de atores sociais, o levantamento de dados objetivos relativos aos temas definidos como prioritários e a produção de conhecimentos que foram compartilhados com todos os participantes do projeto.

A expectativa é que os resultados, apropriados pelos atores sociais, sirvam de apoio para a definição de estratégias e para a negociação com os tomadores de decisão, na medida em que os dados comprovam que a agricultura familiar tem grande importância econômica, gera empregos e produz alimentos saudáveis.

A pesquisa realizada junto a 544 famílias mostrou que, apesar de pressionada pelo agronegócio, a agricultura familiar tem vitalidade e pode ser uma importante fonte de renda e de produtos saudáveis para os centros urbanos. Só nas propriedades dos entrevistados, foram produzidas 5 mil toneladas de alimentos em 2018, com valor de mercado, à época, de R$ 13 milhões. Os produtos mais comuns são mandioca, frutas e hortaliças.

© Claudio Chena

Os principais entraves da agricultura familiar, ainda de acordo com a pesquisa são: recursos financeiros (46%),  períodos de seca (41%), pragas (39%) e falta de assistência técnica(35%).

Quanto à comercialização, os principais obstáculos para comercializar a produção estão ligados ao transporte. Esses dados são importantes porque apontam para ações e estratégias que podem ser promovidas com o fim de consolidar a agricultura familiar.

Conforme a pesquisa, a agroecologia está se difundindo e é uma boa alternativa para os agricultores familiares. Dos entrevistados, 38% já ouviram falar no assunto. Desses, 50% mantém práticas agroecológicas.

Além da questão fundiária, o avanço da soja traz muitos outros impactos considerados negativos pelos pequenos agricultores. Entre eles, 81% afirmam que a soja não trouxe nenhuma melhoria para as comunidades e 69% dizem que trouxe prejuízos como: perda de produção (41%), mudanças do clima (37%) e danos gerais ao ambiente (35%).

A pulverização de agrotóxicos nas lavouras de soja é apontada pelos agricultores familiares como uma das principais causadoras de impacto, seja à saúde, à degradação ambiental e à perda de produção. Quanto mais próximos das lavouras, mais os pequenos produtores se dizem atingidos. Na média geral, 43% afirmam ter sido afetados por mal estar (72%), invasão de pragas (72%), ressecamento de cultivos (40%).

Dos agricultores que estão localizados a até cinco quilômetros de campos de soja, 40% relatam perdas de produção.

Os principais resultados foram divulgados em um evento online que reuniu organizações sociais, agentes de extensão, pesquisadores de outras instituições e tomadores de decisão. Mais tarde, em agosto de 2021, o Ministério Público e os sindicatos organizaram uma sessão para conhecimento e discussão dos resultados no Fórum de Luta Contra os Impactos dos Agrotóxicos. Na ocasião, foram formados grupos de trabalho para definir ações concretas a realizar.

CARTILHAS

Comunidades

Produção

Agroecologia

Agrotóxicos

PROJETOS REALIZADOS

    • Odyssea (2016-2019), com financiamento da União Europeia (chamada H2020-RISE): fazer um link para o site do projeto, https://www.odyssea-amazonia.org/
    • INCT Odisseia (2017-2023), com financiamento CNPQ, CAPES e FAP-DF (chamada dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia), com link para o projeto: http://inct-odisseia.i3gs.org/
INSTITUIÇÕES PARCEIRAS
FINANCIADORES

PUBLICAÇÕES

Cortes João Paulo Soares, Coudel Emilie, Piraux Marc, Piva da Silva Mariana, Abreu dos Santos Beatriz, Folhes Ricardo e Gomes Pereira da Silva Romero, 2020, Quais as perspectivas da agricultura familiar em um contexto de expansão do agronegócio? Zoneamento participativo com representantes comunitários do Planalto Santareno, Confins [Online], 45. Disponível em: http://journals.openedition.org/confins/28077.
Abreu B, Coudel E, Nasuti S, R F, Matos Santos ME, Lima A v. 2021. Resistência à expansão da soja: aliança entre movimento social e cientistas. Le Monde Diplomatique, Resistência América Latina. https://diplomatique.org.br/resistencia-expansao-da-soja-alianca-entre-movimento-social-e-cientistas/
Coudel Emilie, Nasuti Stéphanie, Abreu dos Santos Beatriz, Piva Mariana, Fechine Valéria, Folhes Ricardo, Co-producing knowledge with family farming organizations on changes impacting communities and households: a citizen science observatory in Santarém, Brazilian Amazon, Cahiers Agricultures, n°31, 14 p.
Coudel Emilie, Nasuti Stéphanie, Wagner Silva Danielle, Bonnet Marie-Paule, Piva Mariana, Abreu dos Santos Beatriz, Folhes Ricardo, Bonnal Vincent, Fechine Valéria, Lima Denise, Sousa Passos Carlos José, Schwamborn Txai Mitt, Nakamura Ione, Rodrigues de Moura Gracivane, 2021, « Rendre visible les impacts des pesticides du soja : contributions et limites d’un observatoire de science citoyenne à Santarém, Amazonie brésilienne », VertigO – la revue électronique en sciences de l’environnement [En ligne], Volume 21 numéro 3. URL : http://journals.openedition.org/vertigo/33716 ; DOI : https://doi.org/10.4000/vertigo.33716
Coudel, Emilie; Nasuti, Stéphanie; Fechine, Valéria; Piva, Mariana; Abreu, Beatriz; Folhes, Ricardo, 2021, “Family farming in Santarém region, Brazilian Amazon: survey with households (Odyssea project, 2019)”, https://doi.org/10.18167/DVN1/Y9WMSU, CIRAD Dataverse, V1
Nasuti, Stéphanie; Coudel, Emilie; Fechine, Valéria; Piva, Mariana; Abreu, Beatriz; Folhes, Ricardo, 2021, “Family farming in Santarém region, Brazilian Amazon: survey with rural community representatives (Odyssea project, 2019)”, https://doi.org/10.18167/DVN1/8R3OT1, CIRAD Dataverse, V1
Soares de Cortes, João Paulo; Coudel, Émilie; Piraux, Marc; Piva da Silva, Mariana; Abreu dos Santos, Beatriz; Folhes, Ricardo; Nasuti, Stéphanie; Gomes Pereira da Silva, Romero; Bonnal, Vincent, 2022, “Zoneamento participativo da agricultura familiar em um contexto de expansão do agronegócio com representantes comunitários do Planalto Santareno”, https://doi.org/10.18167/DVN1/ZKGA1I, CIRAD Dataverse, V1

A COOPERAÇÃO FRANCESA NO BRASIL
A PARCERIA ENTRE FRANÇA E BRASIL FOCA NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA. O CIRAD E O IRD TRABALHAM EM CONJUNTO COM A COMUNIDADE CIENTÍFICA E AGRONÔMICA BRASILEIRA COMO A EMBRAPA, UNIVERSIDADES E ÓRGÃOS DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO. ESTE SITE FOI FINANCIADO PELO INSTITUTO FRANCÊS DO BRASIL.